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Os polvos destroem-se após o acasalamento, e os cientistas parecem já saber porquê

Autores de um novo estudo sinalizaram níveis de actividade mais elevados em genes que controlam as hormonas sexuais, as hormonas semelhantes à insulina, assim como o metabolismo do colesterol.

Por muito cruel que a ideia possa parecer à primeira vista, a verdade é que os polvos estão condenados a ser órfãos desde pequenos, já que depois de um polvo fêmea pôr os seus ovos, este deixa de comer e começa a automutilar-se, arrancando a pele e mordendo as pontas dos seus tentáculos. Isto faz com que quando um jovem polvo sai do seu ovo, a sua mãe já está morta. Alguns meses mais tarde, o mesmo destino terá o pai.

Este ciclo, ainda que curto e sombrio, fascinou durante muito tempo os cientistas. Em 1944, os investigadores colocaram a hipótese de que o acasalamento significava, de alguma forma, a “autodestruição” destas criaturas marinhas. Ao fim de quase 80 anos, esta hipótese, que começou por ser vaga, está finalmente a ganhar forma. Os investigadores descobriram recentemente que o acasalamento parece mudar vários caminhos bioquímicos críticos baseados no colesterol para várias hormonas em polvos fêmeas.

“Sabemos que o colesterol é importante de uma perspectiva diatética e também dentro de diferentes sistemas de sinalização no corpo”, explica o biólogo molecular Z. Yan Wang, que coordenou a investigação enquanto esteve na Universidade de Chicago. “Está relacionado com tudo, desde a flexibilidade das membranas celulares à produção de hormonas de stress. Acima de tudo, foi uma grande surpresa vê-lo também desempenhar um papel neste processo do ciclo de vida.”

Entre os seres humanos, alguns precursores do colesterol são tóxicos. As perturbações genéticas que aumentam o metabolismo do colesterol podem, por isso, resultar em graves problemas de desenvolvimento e de comportamento, incluindo automutilação repetitiva e deficiências alimentares. Os casos graves podem mesmo ser representativas de risco de vida.

A ciência levou anos a chegar a este ponto, e em grande parte, isso deve-se a um órgão pequeno e subvalorizado encontrado no polvo e na lula.Em 1977, os investigadores descobriram que a glândula óptica desempenha de alguma forma um papel na morte programada de um polvo.

Este órgão é semelhante ao órgão pituitário nos humanos. Está presente entre os olhos do polvo e está ligado ao desenvolvimento sexual e ao envelhecimento nos cefalópodes. Quando é retirado de um polvo fêmea, a criatura vive vários meses após pôr os seus ovos. Em 2018, os cientistas tomaram este conhecimento e sequenciaram o RNA de duas glândulas ópticas de dois polvos fêmeas em diferentes fases de declínio.

Com um polvo quase morto, os autores notaram níveis de atividade mais elevados em vários genes que controlam as hormonas sexuais, as hormonas semelhantes à insulina, e o metabolismo do colesterol. Agora, alguns anos mais tarde, alguns dos mesmos investigadores analisaram diretamente as moléculas segregadas deste órgão tanto em fêmeas acasaladas como em fêmeas sem parceiro. Após o acasalamento, ao que tudo indica, a glândula óptica segrega realmente mais hormonas sexuais.

Todas estas três moléculas podem, em última análise, contribuir para sistemas de sinalização que desencadeiam a morte. Ou, talvez seja apenas a acumulação destas moléculas no corpo do polvo que é letal, como acontece nos seres humanos.

Embora a glândula óptica tenha estado anteriormente ligada à produção de hormonas sexuais em cefalópodes, as outras duas vias só recentemente foram identificadas na sequência de “autodestruição”.

No futuro, a equipa espera olhar mais “a jusante“, para ver que outras moléculas fazem parte desta estranhamente cronometrada morte. “O que é impressionante é que [os polvos] passam por esta progressão de mudanças onde parecem enlouquecer mesmo antes de morrer”, aponta Clifton Ragsdale, neurobiólogo, da Universidade de Chicago.

“Talvez sejam dois processos, talvez sejam três ou quatro”. Agora, temos pelo menos três vias aparentemente independentes para as hormonas esteróides que poderiam explicar a multiplicidade de efeitos que os polvos mostram”.

Wang diz estar particularmente entusiasmada por duas das vias que a sua equipa identificou serem conhecidas de outros estudos em roedores. “Agora há provas, através do do nosso estudo, de que essas vias estão provavelmente presentes também em polvos”, diz Wang. “Foi realmente emocionante ver a semelhança entre animais tão diferentes”.

ZAP //