Ambiente

Falta informação para podermos gerir o futuro dos oceanos, revela relatório da UNESCO

O oceano é grande e sabemos muito pouco sobre ele a nível científico para tomar as melhores decisões sobre como geri-lo de uma forma sustentável, essa é a principal conclusão de um novo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) publicado recentemente e apresentado aos jornalistas na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Lisboa.

“A descrição quantitativa do oceano é realmente incompleta e por isso o nosso conhecimento actual é insuficiente para dar soluções informadas sobre o que temos de enfrentar”, explicou Henrik Oksdeldt Enevoldsen, coordenador da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO e um dos editores do Relatório de 2022 do Estado do Oceano, que funciona como edição-piloto. “O nosso conhecimento é geralmente capaz de identificar as questões, mas fica aquém de ser uma informação abrangente e permitir a acção.”

O novo relatório, que pode ser consultado no site da UNESCO, com apenas 72 páginas, é curto e traz a novidade de estar estruturado a partir dos desafios definidos no 14º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobre a vida debaixo de água. Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) definiu os 17 ODSs para 2030, com o objectivo de se alcançar melhores condições de vida e um desenvolvimento sustentável a nível planetário. O ODS 14, dedicado à conservação e o uso sustentável dos oceanos, atravessou as conversas de muitos dos eventos da conferência, e também ajudou a moldar a construção do relatório.

O novo modelo do relatório tem a finalidade de promover uma leitura mais rápida e compreensível para os não especialistas. Pretende-se, por isso, que a informação seja acessível para todos e não afaste quem está interessado no tema, desde decisores políticos, passando pelas organizações não governamentais, a comunicação social, até ao público em geral. Além disso, a intenção é também ter uma periodicidade regular, de preferência anual, para acompanhar a progressão (ou não progressão) dos objectivos até ao final da década.

O que salta à vista deste relatório piloto e irá ser avaliado nos próximos anos é o défice de informação. “Uma coisa que ficou clara é a falta de indicadores e parâmetros de confiança em muitos aspectos do conhecimento oceânico e formas de os medir ou documentar”, explicou o responsável dinamarquês.

Esta lacuna está patente logo no primeiro desafio do relatório, relacionado com o primeiro objectivo do ODS14, que postula a prevenção e a redução significativa da poluição marinha e é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta. “Ficou claro que para conseguir apoiar acções contra a poluição e usar de uma forma relevante os instrumentos legais que já existem ou estão a emergir, necessitamos de um mega sistema de observação da poluição”, assevera Henrik Oksdeldt Enevoldsen.

O resumo do relatório sobre este primeiro desafio ajuda a clarificar o que não se conhece. Embora haja alguma informação sobre a poluição existente à superfície do oceano e nas regiões costeiras, em profundidade o conhecimento é muito mais esparso. O relatório adianta também que além da poluição por nutrientes e eutrofização, e a poluição pelo plástico, “conhece-se muito pouco sobre outros tipos de poluentes, como por exemplo os medicamentos”.

O documento também constata a falta de conhecimento sobre o desenvolvimento de uma economia do oceano que seja sustentável e equitativa e sobre a necessidade de expandir o sistema de observação global e criar uma representação digital do oceano.

Neste caso, embora seja necessário investir em mais sistemas de observação, a partilha de informação e a cooperação entre os países são essenciais. “É preciso colaboração para os oceanos, não há países que tenham capacidade para compreender sozinhos todos estes processos”, defendeu Julian Barbière, responsável pela Secção de Política Marinha e Coordenação Regional da COI, que esteve a moderar a conversa. “Há uma iniciativa para construir um mapa global do chão dos oceanos chamada Seabed 2030, financiado pela Fundação Nippon. Estima-se que haja 20 a 30% de informação [do chão oceânico] que já existe mas pertence aos governos e às vezes há constrangimentos na partilha da informação”, exemplificou, por sua vez, Henrik Oksdeldt Enevoldsen. “Se queremos ter uma visão holística do oceano, temos que abrir essa informação, incluindo o sector privado.”

Mesmo a informação sobre as características físicas marinhas, como a temperatura, a acidificação, importantes para se compreender as consequências das alterações climáticas, estão em falta. “Não temos informação suficiente para prever melhor e, através dessa previsão, saber quais os cenários possíveis que estão diante de nós”, observou o especialista dinamarquês, acrescentando que é preciso mais investimento para estas lacunas. “O nível de financiamento actual não será suficiente”, assegurou.

Embora um dos objectivos deste relatório seja alertar para a necessidade do aumento de investimento na observação e investigação dos oceanos, o certo é que a própria UNESCO não assegurou ainda o dinheiro para continuar a publicar estes documentos nos próximos anos, lamentou Henrik Oksdeldt Enevoldsen ao PÚBLICO.

“Temos orçamentos iniciais muito limitados e para cada grande iniciativa estamos sempre dependentes de Estados-membros que se engajem especificamente no projecto, ou parceiros privados, ou filantropos”, disse. Mas como é possível combater os problemas marinhos se nem as Nações Unidas têm assegurado o dinheiro para produzirem os relatórios sobre o estado do oceano? “Essa é uma pergunta para se fazer aos Estados-membros.”

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