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Opinião 

O mundo mudou e a CPLP está a mudar

Desde a sua criação, em 17 de Julho de 1996, até agora, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) assistiu a mudanças decisivas nas relações internacionais, que a levaram, também, a mudar o paradigma da sua existência.

Há 18 anos, o objectivo da CPLP era relançar o relacionamento entre as antigas colónias e a metrópole. Uma espécie de fase de “nojo” da época colonial e, sobretudo, de superação das vicissitudes inerentes a todo e qualquer processo de descolonização. Então, em 1996, na época pós-Guerra Fria, o sistema europeu era vitorioso, e Portugal, na União Europeia, era, pela primeira vez na sua história, membro do clube dos vencedores.

Os tempos de hoje são outros. A globalização desgastou a imagem atractiva de Portugal, a Europa está em crise e afirmaram-se novas dinâmicas regionais. A trajectória dos países da CPLP é disso prova inequívoca. Procuram o seu lugar em novos equilíbrios regionais. Como exemplifica o relançamento da actividade económica dos PALOP [Pasíses Africanos de Língua Oficial Portuguesa], agendado para a cimeira de Luanda de 17 de Julho próximo, à qual Portugal e Brasil foram convidados. Está em curso uma reconfiguração dos interesses estratégicos. E é aí que a entrada da Guiné Equatorial marca uma nova era.

Os dados são agora outros: 50% dos recursos petrolíferos descobertos na última década estão na CPLP; em meados deste século, o gás e petróleo de Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé representará 30% da produção mundial de hidrocarbonetos, o equivalente à produção actual do Médio Oriente. O que, por exemplo, abre perspectivas não displicentes para o futuro do porto de Sines, como plataforma de entrada do gás com destino a uma Europa já ciente do perigo da dependência russa. É a estes valores que se vai somar a produção petrolífera da Guiné Equatorial, a terceira maior a sul do Sara após a Nigéria e Angola, o país mais rico da África subsariana com 35 mil dólares de rendimento per capita – semelhante ao do Reino Unido -, embora 78% dos seus habitantes vivam abaixo do limite da pobreza.

São os contornos, contraditórios mas já bem definidos, do desenho de um novo bloco, que alia matérias-primas, novos interesses e multinacionais. Aos interesses das que operam nas antigas colónias portuguesas juntam-se agora os interesses representados na Guiné Equatorial, especialmente a Exxon Mobil, a grande investidora no sector do petróleo no país de Obiang, e a China, que controla o negócio do gás.

Os interesses em jogo ultrapassam a realidade de 1996 e introduzem uma dimensão económica nunca sonhada aquando da constituição da CPLP. A organização está à margem do defendido no seu início, uma linha de cooperação tradicional baseada no conhecimento mútuo pela existência de laços históricos. De uma presença quase subsidiária na cena internacional passou a protagonista de primeiro plano.

Hoje, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa está em vias de se transformar numa peça estratégica para a manobra e afirmação internacionais de Portugal. Longe, portanto, da foto fixa da sua criação. Num recente encontro promovido no Palácio das Necessidades pelo ministro Rui Machete com seus antecessores no cargo – Luís Amado, Martins da Cruz, António Monteiro, Jaime Gama e João Deus Pinheiro – foi abordada, consensualmente, esta alteração. A par do acordo sobre os já tradicionais pontos da política externa portuguesa, da Europa ao valor da relação transatlântica com os Estados Unidos.

Os antigos chefes da diplomacia portuguesa não desconhecem também o que implica este novo salto. A língua, o português, como único vector identitário, já não convencia os sete parceiros de Portugal. Do mesmo modo, era-lhes insuficiente, mesmo confuso e paternalista, o discurso nostálgico de uma certa saudade da relação metrópole/colónia.
Se Teodoro Obiang decretou o ensino do português e ele aprende o idioma com sotaque do outro lado do Atlântico com um professor brasileiro, nada garante que no futuro, outros países que adiram à CPLP tenham de fazer o mesmo trajecto. Ucrânia, Geórgia, Índia manifestaram interesse. Turquia e Japão também. O que leva a requerer o fortalecimento do respeito pelos Direitos Humanos para que a CPLP não se transforme apenas num clube de volúveis interesses económicos. Porque, então, já não haverá língua portuguesa que lhe valha.

Por Nuno Ribeiro, Público