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Biblos 
FERNANDO PESSOA

Olhando o mar, sonho sem ter de quê

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.

Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.

Mas de se nada ver quanto a alma sonha!

De que me servem a verdade e a fé?
 

 

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,

Em ruas ou em estradas ou sob ramos,

Temos esta certeza e sempre e em tudo

Sonhamos e sonhamos e sonhamos.
 

 

As árvores longínquas da floresta

Parecem, por longínquas, estar em festa.

Quanto acontece porque se não vê!

Mas do que há ou não há o mesmo resta.
 

 

Se tive amores? Já não sei se os tive.

Quem ontem fui já hoje em mim não vive.

Bebe, que tudo é líquido e embriaga,

E a vida morre enquanto o ser revive.
 

 

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser

Motivos coloridos de morrer?

Mas colhe rosas. Porque não colhê-las

Se te agrada e tudo é deixar de o haver?
 

Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 70.