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História | ||
As viagens científicas de circum-navegação e a disputa pelo Pacífico Embora conheçamos as rivalidades entre Inglaterra e França pela liderança na Europa, pouco se sabe sobre a actuação de outros países na ânsia posições de destaque de âmbito mundial. As viagens de circunavegação realizadas permitem ao historiador perceber o alcance das disputas envolvidas na época. Entre 1750 e 1850, houve um esforço para programar viagens científicas de mapeamento que dessem a volta ao mundo, devido à inexactidão de determinadas paragens e, por outro lado, ao interesse crescente dos europeus pelo Pacífico. Supunha-se a existência de ilhas e porções de terras ainda inexploradas. Nessa empresa, destacava-se a Inglaterra, que procurava ampliar o seu império e os seus domínios sobre o Pacífico e a Ásia. Logo após o fim da guerra dos Sete Anos (1756-1763) na Europa, França e Inglaterra mantiveram a rivalidade acesa, enviando expedições de exploração ao Pacífico. Alguns meses após o tratado de paz, a Inglaterra fez partir uma expedição com objectivos de reconhecer aquele oceano. Em 1764, o Dolphin comandado por John Byron navegou uma conhecida rota de circunavegação na época. Dados os riscos que envolviam as viagens em mares desconhecidos, os expedicionários procuravam seguir águas já navegadas e atracar em portos reconhecidos, especialmente os que garantiam determinado calado d'água. Aventuravam-se aqui e ali, mas sempre seguindo algumas rotas e tendo como referência determinadas ilhas ou portos específicos. O historiador Glyndwr Williams afirma que Byron em seu relatório de viagem não mencionou "descobertas" dignas de nota. Passou a ser reconhecido apenas por ter realizado a expedição da forma mais rápida até então. Contudo, Byron insistiu na existência de uma grande massa de terra que deveria estar localizada mais ao Sul. A informação de Byron foi transmitida como instrução às viagens de circunavegação que se seguiram. Em 1767, foi a vez de os comandantes ingleses Philip Carteret e Samuel Wallis seguirem para o Pacífico e navegarem mais para o Sul, em regiões remotas e ainda sem mapeamento, com o propósito de encontrar as terras que supunham existir. Voltaram em 1768, com a reveladora notícia de que haviam avistado o Tahiti. Entre 1766 e 1769, foi a vez do militar e ilustrado Louis Antoine Bouganville realizar a primeira viagem de circunavegação francesa no comando dos veleiros La Boudese e L'Étoile, atravessar o estreito de Magalhães e reconhecer ilhas do Pacífico, com o intuito de competir com a Inglaterra e garantir o poder francês sobre a região. O comandante também descreveu a ilha do Tahiti, apresentada romanticamente como um lugar exótico e sensual. Bouganville lutou contra a Inglaterra na América do Norte em 1781, quando do avanço dos colonos nas guerras de independência das 13 colônias inglesas. A rivalidade entre Inglaterra e França manifestou-se na guerra de Sete Anos, no apoio dado pelos franceses aos insurgentes por ocasião das lutas pela independência nos Estados Unidos e também, agora, nas disputas pelas ilhas do Pacífico. A convicção de Byron sobre a existência de grandes porções de terras ainda desconhecidas, somada às descrições de Carteret e Bouganville sobre o Tahiti, alvoroçaram os ânimos europeus e mais expedições foram programadas para o Pacífico. Novamente, a Inglaterra tomou a dianteira e enviou o capitão James Cook, a bordo do Endeavour, para a região, em 1768. Segundo as instruções da Marinha britânica, o objetivo da viagem era reconhecer os Mares do Sul e realizar a observação do trânsito de Vênus a partir do Tahiti, quando o planeta realizaria o seu percurso entre a Terra e o Sol. O fenômeno é considerado pelos astrônomos o momento privilegiado para a realização de medições mais exatas da distância entre o astro e o nosso planeta. O grande feito de James Cook, como se sabe, foi ter avistado a Nova Zelândia e a Austrália. O veleiro do comandante voltou à Inglaterra em 1771 e rapidamente o capitão tornou-se reconhecido pela sua façanha. Sabe-se que outros navegadores já haviam aportado naquelas terras, sem, no entanto, avaliar as suas reais dimensões. Consideradas como as mais notáveis viagens de circunavegação da segunda metade do século XVIII, as viagens de Cook tornaram-se modelo para as empresas desse tipo que se seguiram, aumentando ainda mais as disputas entre os europeus pelo Pacífico e, em particular, as rivalidades entre Inglaterra e França. Em 1789, com a eclosão da Revolução Francesa e com o aprofundamento das crises européias relativas aos regimes monárquicos, foi a vez de a Coroa espanhola, preocupada com o seu império além-mar, realizar uma viagem de volta ao mundo, enviando como comandante dos navios Descubierta e Atrevida o italiano Alejandro Malaspina e o oficial José Bustamante. As instruções eram para que os oficiais realizassem cartas náuticas mais acuradas e cartas hidrográficas de regiões do império espanhol nas Américas e das Philipinas. Além disso, com a Europa sacudida por instabilidades políticas, o comandante deveria verificar a capacidade de a região resistir a possíveis invasões estrangeiras. É certo que Inglaterra e França disputavam o seu poder na exploração do Pacífico, procurando notadamente o que hoje chamamos de equilíbrio de poder na Europa. A Espanha, por sua vez, não se furtou a lançar uma grandiosa expedição científica com o objetivo de confirmar as suas possessões no Pacífico. No entanto, um outro império manifestava-se com a finalidade de disputar o seu quinhão naquelas águas. A Rússia preparou duas expedições científicas de circunavegação: a primeira foi realizada por dois navios, o Nadezhda e o Neva, comandados por Adam Johann Von Krusenstern entre 1803 e 1806; e a segunda, entre 1815 e 1818, capitaneada por Otho Von Kotzebue a bordo do Rurik. As duas viagens procuravam expandir o império russo e obter informações sobre possibilidades comerciais para o país. Os dois comandantes elaboraram mapas, avistaram ilhas no Pacífico, antes não reconhecidas por europeus, e refizeram cartas náuticas. Eles tinham interesses específicos na costa Oeste da América do Norte: o Alaska era território russo e eles buscavam expandir seus domínios mais para o Sul. Certamente procuravam também um lugar para o império de Alexandre I no mundo que se configurava a partir das viagens científicas e das novas descobertas no Pacífico. A Inglaterra voltou a lançar expedições de exploração na primeira metade do século XIX. E entre elas, destacam-se as famosas viagens do navio Beagle. A primeira, realizada entre 1826 e 1830, quando, juntamente com o navio Adventure, a expedição deixou a Inglaterra com a finalidade de efetuar o mapeamento de diversas regiões. Já na segunda viagem do Beagle, esta de circunavegação, entre 1831 e 1836, sob o comando de Robert FitzRoy, participou da expedição o jovem naturalista Charles Darwin, autor do tratado científico On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life (A Origem das Espécies): a teoria que sacudiu os meios acadêmicos e religiosos na segunda metade do século XIX e fato que tornou a viagem do Beagle conhecida pela teoria de Darwin publicada em 1859, vinte e três anos após o retorno do navio à Inglaterra. O acontecimento obscureceu os primeiros objetivos da expedição que, como as outras, priorizava o mapeamento de determinadas costas e mares. Também na primeira metade do século XIX, os franceses enviaram por duas vezes o comandante Jules Dumont D'Urville, a bordo do L'Astrolabe, para realizar viagens de circunavegação. A primeira, entre 1826 e 1829, e a segunda, entre 1837 e 1840. Como nas expedições já mencionadas, D'Urville fez inúmeras inspeções, construiu novas cartas náuticas e refez as antigas. As cartas eram constantemente refeitas com o objetivo de alcançar cada vez mais precisão para os navegadores. O comandante francês foi reconhecido por ter estado na Antártida, onde, aliás, encontrou um dos navios da U. S. Exploring Expedition de Charles Wilkes. Realizavam as expedições os países ou impérios que possuíssem uma Marinha com determinado porte, os que dominassem certa tecnologia e o manejo de instrumentos de precisão, tais como o compasso magnético, o cronômetro e o relógio marítimo. Para tanto, era imprescindível a existência de um quadro de oficiais treinados pelas Marinhas para efetuar as medições astronômicas que possibilitassem fixar a posição de um navio a partir dos cálculos entre latitude e longitude. Assim, o que caracteriza as várias viagens científicas de circunavegação do período é a similaridade dos objetivos: em geral eram expedições de grande interesse governamental, levadas a cabo pelas Marinhas de guerra, em tempos de paz. Eram financiadas com a intenção principal de fazer o mapeamento de regiões do globo, inclusive da América do Sul, destacando-se o particular interesse pela exploração do Pacífico. Abrangiam também outros propósitos como os científicos e os diplomáticos; contudo, estes estavam em segundo plano nos projectos das potências do período.
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