Não se atrevam a mudar nome ao oceano Pacífico
Foi há 500 anos que um português chamou Pacífico ao maior dos oceanos. Agora, chineses, americanos, japoneses e coreanos querem transformar o batismo por Magalhães num contrassenso. Pelo menos é o que parece, após Pequim ter imposto uma zona de defesa aérea junto à sua costa, que está a ser ignorada apesar da ameaça implícita contra os aviões que não comuniquem o plano de voo.
A tensão é real, devido às disputas constantes por ilhotas, as contas por ajustar do século XX e a luta por estatuto entre novas e velhas potências.
Acresce a isso que os países envolvidos estão no clube dos que mais investem em armamento, com a China a aumentar o seu orçamento militar em 11% de 2011 para 2012 e o Japão a dotar-se este ano pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial com uma espécie de porta-aviões, apesar da insistência em notar que o Izumo é só para transportar helicópteros.
Diga-se que desde o início o Pacífico pareceu amaldiçoado. Magalhães foi morto nas Filipinas. E o espanhol Balboa, o primeiro europeu a avistar o "Mar do Sul", acabou decapitado. Não se estranha, depois, o dramatismo da Guerra do Pacífico (1941-1945).
Nas últimas décadas, porém, o gigantesco oceano roubou o protagonismo ao Atlântico e afirmou-se como zona de prosperidade, ainda que esta bafeje de forma desigual os 40 países da bacia do Pacífico. Hoje vale bem mais de metade da riqueza mundial e quase tanto em termos de comércio.
Persistem certos focos de tensão, em especial na Ásia Oriental e Sudeste Asiático. Não só na nova zona de defesa aérea, como mais a sul, onde a China pôs o porta-aviões Liaoning a navegar, para incómodo de Vietname ou Filipinas, que também têm os olhos nas Spratley e Paracels, arquipélagos com águas e fundos riquíssimos. Já para não falar da incógnita que é essa Coreia do Norte dotada de armas nucleares mas não de bom senso.
Mas se o choque entre os nacionalismos chinês e japonês faz soar as campainhas, a estabilidade no Pacífico joga-se é na relação a construir entre a China e os Estados Unidos: a primeira aproveita o vigor económico para reconquistar a tradicional supremacia no Oriente; os segundos, com 70 mil militares na região, insistem em proteger os aliados japoneses, sul-coreanos e taiwaneses, todos de alguma forma em conflito com Pequim.
A vantagem americana continua a ser de meter respeito, com um orçamento militar seis vezes superior ao chinês. E isso serve de elemento dissuasor. Mas para que o Pacífico mereça o nome conta sobretudo o interesse de todos numa paz que tem trazido benefícios mútuos. Seria absurdo uma guerra quando Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul são os que mais produtos compram e vendem à China.
O problema é que nem sempre a lógica triunfa sobre o absurdo. Um incidente, um erro de cálculo, e o pior pode acontecer. Lembre-se que uma seta derrubou o grande Magalhães.
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA, Diário de Notícias, Portugal
Data: 2014-06-08