CABO VERDE
Poluição dos mares por plástico é desafio global
A protecção dos oceanos e dos seus recursos é prioridade das prioridades. Poluição e exploração excessiva de recursos pesqueiros são factores de risco, com consequências alarmantes para a biodiversidade. E não, nem os seres humanos estão a salvo.
Vânia Teófilo, bióloga e professora na Universidade do Mindelo, recorda que o lixo nos oceanos, especialmente o plástico, entra na cadeia alimentar dos seres vivos que vivem nessas águas.
“Existe aquela parte macroscópica, que nós todos sabemos, de animais que são feridos e até mortos pelo consumo ou por interagirem com esse lixo, mas também há aquela parte dos microplásticos, a parte microscópica, que depois entra na cadeia alimentar, através do consumo de espécies marítimas, e que pode ter consequências carcinogéneas, e outras, no nosso corpo”, explica.
É hoje certo que nem as regiões mais remotas do planeta estão a salvo da poluição por plástico. Um estudo produzido pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, em parceria com a Greenpeace, e revelado esta semana, relata a contaminação de amostras de neve e água da Antártica por micropartículas de polímeros sintéticos.
Sete das nove amostras de neve recolhidas durante a expedição dos cientistas, no início do ano, revelaram, inclusive, a presença de substâncias tóxicas, conhecidas como PFCs (do inglês perfluorinated compounds, compostos perfluorados), usados para fabricar artigos com características impermeabilizantes e antiaderentes, como algumas panelas, tecidos, tapetes, entre outras aplicações.
As conclusões dos investigadores britânicos impressionam mas não surpreendem. Em Maio, a revista Nature relatava que cada litro de gelo marinho do Oceano Árctico contém até 12 mil partículas microplásticas.
As Nações Unidas estimam que, anualmente, um milhão de aves marinhas e 100 mil mamíferos perdem a vida, em todo o mundo, por causas relacionadas com a poluição por plástico. Os efeitos nos seres humanos, pela ingestão de alimentos contaminados, não são imediatos, a relação causa-efeito é difícil de estabelecer, mas a ameaça é real.
Questionada sobre a possibilidade de quantificarmos o lixo presente no mar de Cabo Verde, Vânia Teófilo é contundente: ainda não é possível.
“Não há muitos estudos sobre a condição do lixo flutuante e lixo que está no fundo dos oceanos, No entanto, há conhecimento do lixo que é trazido pelas correntes marítimas e que depois é depositado nas praias e que também traz consequências a nível do embelezamento, do turismo, entre outros”, recorda.
A propósito do lixo acumulado nas praias, no início de Junho, a organização não-governamental Biosfera I lançou uma campanha de limpeza da praia dos Achados, no norte de Santa Luzia. Tommy Melo, presidente da associação ambientalista, esclarece que a praia tem toneladas de lixo de todo o tipo, proveniente de diversos países do mundo.
Ao longo de 15 dias, 40 voluntários, divididos em dois grupos, vão efectuar a limpeza do local, numa operação que se repete anualmente.
“A praia tem toneladas de lixo, principalmente de pesca, redes, que causam danos significativos à população de tartarugas marinhas que ali nidificam”, alerta.
Muito do lixo encontrado no areal dos Achados não tem origem em Cabo Verde, viajando centenas ou milhares de quilómetros até chegar a Santa Luzia.
“Não quer dizer que Cabo Verde não polua, porém, o lixo de Cabo Verde há-de parar em outros locais”, realça Tommy.
Em parceria, Biosfera I, Direcção Nacional do Ambiente e Agência Nacional de Água e Saneamento procuram identificar a origem dos detritos, para assim responsabilizar os países de origem.
Estima a ONU que 80% da poluição dos oceanos tenha origem em pessoas que estão em terra. Vânia Teófilo pede medidas.
“Há soluções que estão a ser implementadas em vários países, como por exemplo a recolha em alto mar ou mesmo na praia e depois o lixo é dirigido aos centros de tratamento. Em Cabo Verde, há uma unidade de tratamento apenas de garrafas de plástico, mas precisamos de dar saída aos diferentes tipos de plástico e também a qualquer plástico que seja recolhido nas áreas costeiras ou no mar”, alerta a bióloga.
Se nada for feito, prevê as Nações Unidas, até 2050 os oceanos terão mais plástico que peixes. O chefe da Unidade de Oceanos, do Instituto de Investigação Atmosférica e Ambiente, em Massachusetts, Estados Unidos, Rui Ponte, afiança que estamos perante um dos maiores desafios enfrentados pelos oceanos.
“É um problema que já se arrasta há muito tempo, mas precisa haver consciencialização das pessoas. Quanto mais, melhor. É um problema que vai demorar algum tempo a ser resolvido, mas é importantíssimo que esteja na linha da frente. Tudo isso tem uma importância na vida animal que depois se reflecte na nossa vida, porque acabamos por ingerir os plásticos nos peixes que comemos”, reforça.
Optimista, ainda assim, o perito, que há três décadas estuda os oceanos, acredita que as pessoas estão cada vez mais conscientes dos desafios.
“O problema é que só se começa a falar, por vezes, quando o problema já cresceu de tal maneira que se torna muito difícil implementar práticas que o possam resolver. Julgo que, em muitos destes temas, estamos numa fase crítica. Ou conseguimos fazer diagnósticos concretos e exactos, e arranjar mecanismos para sanar esses problemas, ou as coisas podem ultrapassar pontos críticos em que se torna difícil haver um retorno à forma como as coisas se passavam anteriormente”, adverte.
Conhecer para decidir
Facto é que não se pode proteger aquilo que não se conhece. No caso de Cabo Verde, o biólogo marinho Rui Freitas destaca a necessidade de se mapear as zonas costeiras e adquirir um melhor conhecimento do mar.
“Essa informação existe, mas de forma muito grosseira. Precisamos ter informação e isso pode ter implicações futuras enormes”, realça.
Medidas avulso servem de pouco. Na base dos esforços de mapeamento costeiro deve estar, acredita o docente da Universidade de Cabo Verde, uma orientação nacional para a investigação oceanográfica.
“Países muito poderosos, Alemanha ou França, por exemplo, têm uma agenda. A agenda em Cabo Verde ainda está a ser trabalhada. Em assuntos prioritários, precisamos, de facto, de ter um plano bem pensado, bem priorizado e entender até que ponto vamos tirar proveito real, para benefício do país. Leva o seu tempo mas é prioritário”, julga.
O Secretário de Estados Adjunto para a Economia Marítima, Paulo Veiga, concorda. “Falta-nos muito por conhecer”, joga, antecipando medidas na área da pesquisa científica e destacando a já anunciada fusão do INDP com o Centro Oceanográfico.
“Cabo Verde tem dado passos e vai continuar a dar. Estamos a apostar fortemente na investigação. Temos há vários anos o INDP, que vai passar por uma reforma e uma fusão com o Centro Oceanográfico, passando a ter duas vertentes: o estudo das artes de pesca e dos recursos marinhos e da oceanografia”.
Atento, igualmente, à problemática da poluição plástica, o governante admite falhas na fiscalização da lei (de 2017) que proíbe a importação e venda de sacos de plásticos convencionais.
“A fiscalização tem que ser mais apertada. O problema é a capacidade de fiscalizar, a capacidade financeira e humana. Mas esta guerra não se ganha simplesmente pela fiscalização. Temos que trabalhar na consciencialização, porque estamos a falar do futuro dos nossos filhos e netos”, remata.
Liderar pelo exemplo
Para dar o exemplo daquilo que deve ser a luta contra a poluição oceânica, dia 8, o secretário-geral ONU anunciou que 30 agências da rede das Nações Unidas, e o seu próprio gabinete, começaram a trabalhar para, a breve prazo, eliminarem por completo o recurso a plásticos de uso único.
Para marcar o Dia Mundial dos Oceanos, a ONU Meio Ambiente fez uma lista de cinco personalidades que estão a ajudar a salvar os mares. Afroz Shah, advogado, entra na lista por ter organizado na Índia a maior acção de limpeza de praias do mundo. Tiza Mafira, Indonésia, criou uma campanha para aprovar uma lei que proíbe o uso de sacos de plástico.
Hugo Tagholm, dirigente da Associação Surfistas Contra o Esgoto, Sasina Kaudelka, que limpa praias na Tailândia, e Stiv Wilson, produtor e activista que está a fazer um filme sobre a história do plástico, também merecem destaque.
A ilha de lixo
A Grande Mancha de Lixo do Pacífico é uma autêntica “ilha” feita de plástico flutuante. Já este ano, uma equipa internacional de cientistas mediu a mancha de poluição e concluiu que a mesma se estende por uma área de cerca de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, o equivalente, sensivelmente, a três vezes o território francês.
Numartigo publicado em Março na revistaScientificReports, os cientistas estimam que existam cerca de 80 mil toneladas de plástico a flutuar na ilha, valor perto de 16 vezes mais elevado do que se pensava.
A “ilha” formou-se pela acumulação de plástico flutuante que circula nos oceanos, em particular no Pacífico Norte. Os padrões de circulação oceânica geram correntes que criam uma espécie de vórtex que acumula objectos flutuantes no seu interior.
com Lourdes Fortes, Fretson Rocha e ONU News
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 863 de 13 de Junho de 2018.
Data: 2018-06-18