NOS TEMPOS DA INDEPENDÊNCIA, VÁRIOS BRASILEIROS FIZERAM FAMA E FORTUNA DO OUTRO LADO DO OCEANO
Angola, Terra de oportunidades
Com a independência do Brasil, Portugal correu o risco de perder, por tabela, outra colónia: Angola. Temia-se que a possessão africana fosse anexada pelos brasileiros. E havia bons motivos para essa preocupação.
Durante mais de 300 anos, ambas as regiões estiveram nas duas pontas do tráfico de escravos. Quase 70% dos cerca de cinco milhões de africanos que desembarcaram no Brasil vinham do Congo e de Angola. E as relações iam muito além do comércio negreiro: pelo menos desde o século XVII, africanos da costa centro-ocidental e brasileiros estavam unidos por laços mercantis, familiares e culturais.
Por isso, logo depois da independência, Portugal chegou a enviar centenas de soldados para assegurar o controle de Angola e adiou o retorno a Lisboa de um navio de guerra fundeado em Luanda. E não eram só os portugueses que estavam alertas para manter a colônia africana. Em 1826, no tratado de reconhecimento da independência por Portugal, foi incluída uma cláusula proibindo o Brasil de incorporar qualquer colônia ou território luso no continente – Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Guiné Bissau e o Forte de Ajudá, no Golfo do Benim. A medida foi uma imposição da Inglaterra, já então envolvida na campanha para abolir o tráfico.
No ano seguinte, o governo brasileiro mostrou que tinha, de fato, interesses especiais em Angola: enviou para lá três navios de guerra. O objetivo oficial da missão era proteger navios negreiros que operavam na área. A medida era inédita: nenhuma nação independente das Américas tinha ido tão longe na defesa do comércio de escravos. Quase ao mesmo tempo, foi inaugurado um consulado brasileiro em Luanda, sob o comando de Rui Germack Possolo. Numa espécie de governo paralelo, o cônsul ameaçou emitir licenças de partida para navios, atribuição que não lhe cabia, e assumiu o papel de defensor de traficantes brasileiros presos por conta de disputas com comerciantes locais. Não demorou a entrar em choque com o governador de Angola, Nicolau de Abreu Castelo Branco, representante máximo do poder português na colônia.
O fato é que os brasileiros já se encontravam alojados no coração do poder angolano havia muito tempo, ocupando cargos da administração civil e militar. Muitos deles tinham sido enviados à África como degredados. Aos poucos eles se estabeleceram, ganharam poder e prestígio. Era o caso do baiano Joaquim José da Silva Menezes, que aportou como degredado em Benguela no final do século XVIII e chegou a ficar preso durante quatro meses por um motivo aparentemente fútil: solicitar um cargo ao governador de Angola, sediado em Luanda. O pedido foi considerado uma afronta ao governador de Benguela, que na época travava uma disputa de poder com a autoridade da capital. Menezes foi chamado ao palácio do governo, onde o ajudante-de-ordens disse que ele "só podia servir para carniceiro, ou tambor, chamando-lhe também negro, filho-da-puta e outros mais convícios".Passado o malfadado episódio, Menezes prosperou: de escriba virou alferes das forças locais, depois foi administrador do contrato de sal e não demorou a se tornar negociante de escravos e dono de navio negreiro. Uma trajetória singular, ainda mais pelo fato de que, na Bahia, ele próprio fora um escravo.
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Data: 2012-11-19
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